Obra de igreja
Isso foi no ano passado; reparem que eu escrevia que a previsão do fim das obras no Maracanã era para o fim de 2005, e agora já está claro que até o fim deste ano não teremos ele pronto. Percebam também o parágrafo em que eu falo do que estava previsto para a obra além das cadeiras no lugar da geral. Será que vai ter tudo isso mesmo? Hmmm...
Bom, lá vai:
A modernidade vence a tradição no Maracanã
Reforma do estádio põe fim à geral, espaço reservado para o povão
por André Monnerat
24 de abril de 2005. É esta a data oficial do fim da lendária geral do Maracanã, espaço mais democrático do grande palco do futebol brasileiro. Após a vitória de 2x1 do Fluminense sobre o São Paulo, em jogo pelo Campeonato Brasileiro, o estádio fechou suas portas para as obras que o adequarão às exigências da FIFA e o deixarão pronto para os Jogos Pan-Americanos de 2007. E assim a geral desaparecerá para dar lugar a mais um setor de cadeiras, fazendo com que todos os lugares do estádio passem a ser sentados.
Segundo a Suderj, serão 38 mil novas cadeiras, das quais será possível ver o jogo com uma visão superior à dos antigos lugares em pé. Para isso, o gramado foi rebaixado em quase 1,5m. E a promessa é de que o preço para o setor seguirá o padrão da antiga geral, mantendo o espaço destinado ao público com menos poder aquisitivo. Mas então por que tanta gritaria pela manutenção da geral? A resposta, é claro, está em toda a mitologia e o folclore que a cercam.
- Além da questão da grana, o que tinha de melhor na geral era a palhaçada da galera – explica o rubro-negro Bruno Lessa, de 22 anos. – Aquele povo vestido de Batman, Máskara, com urubu na mão... Aquelas coisas que a gente vê pela TV, mas ali do seu lado, “zoando” contigo. Mas se via muito pescoço na sua frente, lutando pra enxergar a bola.
- Lá era bom para acompanhar os lances de emoção do jogo. Dava pra ver a expressão do jogador quando entrava driblando dentro da área, ou entrava cara a cara com o goleiro – conta o estudante de comunicação Victor Paschoal, botafoguense que foi à geral uma única vez, na derrota de seu time para o Juventude na final da Copa do Brasil de 1998 acompanhado de nove não-botafoguenses. - Já tinha o papo de que a geral ia acabar, o ingresso custava um real e a gente decidiu ir lá, conhecer antes que terminasse.
Com a reforma atual, prevista para ser concluída até o final deste ano, o estádio ganhará ainda novos acessos às arquibancadas, novos placares, banheiros e vestiários reformados, 60 câmeras de segurança e mais 2 mil vagas de estacionamento, praticamente dobrando o número atual. A imprensa também será contemplada pelas obras, que criarão 36 novas cabines de rádio e TV.
Parte de tudo isso já pôde começar a ser observado a partir da vitória de 5x3 do Botafogo sobre o Vasco, pela terceira rodada do Campeonato Carioca, quando o estádio foi reaberto com o público tendo acesso apenas às arquibancadas. Quando for reinaugurado por inteiro, o Maracanã passará a ter 95 mil lugares, tornando-se o terceiro maior estádio do Mundo – atrás do Azteca, na Cidade do México, com 114 mil lugares, e do Camp Nou, do Barcelona, com 98 mil. Até o ano passado, o estádio era apenas o 16º colocado, com capacidade para pouco menos de 70 mil pessoas, já que a geral não era mais aberta em sua totalidade por motivos de segurança.
Mesmo com essa limitação de capacidade, nos últimos tempos freqüentar a geral exigia uma boa dose de disposição e coragem. Não eram incomuns os “arrastões”.
- Além disso, você tinha que ficar o tempo inteiro desviando de objetos e sacos de urina lançados da arquibancada. Eu ia lá assim que cheguei ao Rio porque o dinheiro era pouco. Mas assim que pude, passei a só assistir os jogos lá de cima – conta o porteiro Antônio Carlos, rubro-negro de Alagoas que chegou à Cidade Maravilhosa na década de 80.
Nem sempre foi assim. O engenheiro aposentado José Augusto conta que, há 50 anos atrás, as coisas eram bem diferentes.
- Acontecia muito, a gente acabava de almoçar e meu pai virava pra mim e perguntava: “Zé, vamos ao jogo?” E a gente ia. Morávamos perto do Maracanã e íamos de geral simplesmente porque era mais rápido de entrar, não tinha que subir aquelas rampas para a arquibancada. Não tinha confusão, não tinha nada. De vez em quando eu gozava da cara de algum vascaíno, quando saía gol do Flamengo, e meu pai falava pra eu me controlar. Mas nunca saiu uma briga. Nem na arquibancada tinha divisão de torcidas naquela época.
- Comemoração de gol na geral era muito mais emocionante. Você saía correndo em qualquer direção, se perdia dos amigos e depois voltava pro mesmo lugar e reencontrava. Por isso, o geraldino sempre era o último a saber quando um gol era anulado, muito tempo depois você ainda via os torcedores comemorando... Era todo mundo muito guiado pela emoção mesmo. E pela arquibancada. Como não dava pra ver o jogo direito, se o pessoal de cima comemorasse é que a gente sabia que a bola tinha entrado – conta o estudante de informática Tulio Soriano, torcedor do Fluminense que acompanhou a geral em sua fase final, indo aos seus últimos jogos em 2005. Inclusive na despedida, onde se via um geraldino tricolor segurando seu cartaz para a TV: “Geral! Patrimônio mundial, abençoado por Deus, João de Deus e Bento XVI“.
• A geral foi o Maracanã
O Maracanã vem sendo utilizado, durante as reformas, com a geral fechada. Ver o estádio sem os torcedores poderem acessar o setor não é incomum – isso já aconteceu diversas vezes, por obras ou motivos de segurança. Mas houve um período em que a geral foi o único setor aberto do estádio.
Isto aconteceu em 1999, quando estavam sendo colocadas as atuais cadeiras nas arquibancadas do estádio para o primeiro Mundial Interclubes da FIFA. O Fluminense jogava a fase final da Série C e mandou seus jogos no Maracanã, apenas com a geral funcionando.
- A geral ficou realmente lotada, a Young Flu toda enfeitada... E foi uma das piores chuvas que peguei na vida – conta o advogado Leonardo Mahfuz, que assistiu à vitória de seu time sobre o Náutico por 2x1. O público oficial da partida foi de 11.582 pagantes.
• Na torcida adversária
Graças ao preço baixo, não era incomum ver pessoas indo ao estádio para fazer companhia a amigos torcedors de outros clubes, em jogos em que seu time nem entraria em campo.
- Conheci a geral assim, indo assistir a um jogo do Vasco com um amigo meu e o cunhado dele. Era muito barato e foi bem tranqüilo, depois da experiência voltei lá para ver jogo do Flamengo – conta o engenheiro Max Junqueira.
- Ele se comportou bem, como flamenguista em território inimigo. O Vasco perdeu e ele podia ter perturbado bastante, mas meu cunhado vascaíno incomodou muito mais xingando o Felipe – completa o designer Felipe Caldas, o amigo vascaíno, se referindo à instisfação do companheiro de torcida com o lateral e meia que atualmente joga no Oriente Médio.
Um caso diferente foi o do vascaíno Francisco Netto. Com o custo popular do ingresso, ele se animou a ir à geral torcer pela Cabofriense contra o Botafogo, um resultado que interessava ao seu time no Estadual de 2005.
- Acho que eu era o único torcedor da Cabofriense no Maracanã – diverte-se o secador, que saiu satisfeito com o 3x3 que classificou o Vasco para as semi-finais da Taça Rio.