01 novembro 2006

Obra de igreja

Essa aí embaixo é uma matéria que me chamaram para escrever para o primeiro número da revista O Torcedor - que acabou nunca saindo, coisas da vida, e agor eu lembrei de colocá-la aqui.

Isso foi no ano passado; reparem que eu escrevia que a previsão do fim das obras no Maracanã era para o fim de 2005, e agora já está claro que até o fim deste ano não teremos ele pronto. Percebam também o parágrafo em que eu falo do que estava previsto para a obra além das cadeiras no lugar da geral. Será que vai ter tudo isso mesmo? Hmmm...

Bom, lá vai:


A modernidade vence a tradição no Maracanã

Reforma do estádio põe fim à geral, espaço reservado para o povão

por André Monnerat

24 de abril de 2005. É esta a data oficial do fim da lendária geral do Maracanã, espaço mais democrático do grande palco do futebol brasileiro. Após a vitória de 2x1 do Fluminense sobre o São Paulo, em jogo pelo Campeonato Brasileiro, o estádio fechou suas portas para as obras que o adequarão às exigências da FIFA e o deixarão pronto para os Jogos Pan-Americanos de 2007. E assim a geral desaparecerá para dar lugar a mais um setor de cadeiras, fazendo com que todos os lugares do estádio passem a ser sentados.

Segundo a Suderj, serão 38 mil novas cadeiras, das quais será possível ver o jogo com uma visão superior à dos antigos lugares em pé. Para isso, o gramado foi rebaixado em quase 1,5m. E a promessa é de que o preço para o setor seguirá o padrão da antiga geral, mantendo o espaço destinado ao público com menos poder aquisitivo. Mas então por que tanta gritaria pela manutenção da geral? A resposta, é claro, está em toda a mitologia e o folclore que a cercam.

- Além da questão da grana, o que tinha de melhor na geral era a palhaçada da galera – explica o rubro-negro Bruno Lessa, de 22 anos. – Aquele povo vestido de Batman, Máskara, com urubu na mão... Aquelas coisas que a gente vê pela TV, mas ali do seu lado, “zoando” contigo. Mas se via muito pescoço na sua frente, lutando pra enxergar a bola.

- Lá era bom para acompanhar os lances de emoção do jogo. Dava pra ver a expressão do jogador quando entrava driblando dentro da área, ou entrava cara a cara com o goleiro – conta o estudante de comunicação Victor Paschoal, botafoguense que foi à geral uma única vez, na derrota de seu time para o Juventude na final da Copa do Brasil de 1998 acompanhado de nove não-botafoguenses. - Já tinha o papo de que a geral ia acabar, o ingresso custava um real e a gente decidiu ir lá, conhecer antes que terminasse.

De fato, não é a primeira vez que se fala na extinção da geral. O setor já esteve fechado por anos, com a justificativa de não se adequar às normas da FIFA, que não permitem lugares em pé. Foi reformada e reaberta em 2001, mas alguns projetos de reformas no estádio que não saíram do papel decretaram algumas vezes seu fim definitivo. Se falou até em usar seu espaço para uma pista de atletismo, o que transformaria o Maracanã em um estádio olímpico – projeto que foi abandonado quando se chegou à conclusão de que, com as dimensões do gramado, um arremessador de dardos de nível internacional, por exemplo, acabaria acertando o público das cadeiras.

Com a reforma atual, prevista para ser concluída até o final deste ano, o estádio ganhará ainda novos acessos às arquibancadas, novos placares, banheiros e vestiários reformados, 60 câmeras de segurança e mais 2 mil vagas de estacionamento, praticamente dobrando o número atual. A imprensa também será contemplada pelas obras, que criarão 36 novas cabines de rádio e TV.

Parte de tudo isso já pôde começar a ser observado a partir da vitória de 5x3 do Botafogo sobre o Vasco, pela terceira rodada do Campeonato Carioca, quando o estádio foi reaberto com o público tendo acesso apenas às arquibancadas. Quando for reinaugurado por inteiro, o Maracanã passará a ter 95 mil lugares, tornando-se o terceiro maior estádio do Mundo – atrás do Azteca, na Cidade do México, com 114 mil lugares, e do Camp Nou, do Barcelona, com 98 mil. Até o ano passado, o estádio era apenas o 16º colocado, com capacidade para pouco menos de 70 mil pessoas, já que a geral não era mais aberta em sua totalidade por motivos de segurança.

Mesmo com essa limitação de capacidade, nos últimos tempos freqüentar a geral exigia uma boa dose de disposição e coragem. Não eram incomuns os “arrastões”.

- Além disso, você tinha que ficar o tempo inteiro desviando de objetos e sacos de urina lançados da arquibancada. Eu ia lá assim que cheguei ao Rio porque o dinheiro era pouco. Mas assim que pude, passei a só assistir os jogos lá de cima – conta o porteiro Antônio Carlos, rubro-negro de Alagoas que chegou à Cidade Maravilhosa na década de 80.

Nem sempre foi assim. O engenheiro aposentado José Augusto conta que, há 50 anos atrás, as coisas eram bem diferentes.

- Acontecia muito, a gente acabava de almoçar e meu pai virava pra mim e perguntava: “Zé, vamos ao jogo?” E a gente ia. Morávamos perto do Maracanã e íamos de geral simplesmente porque era mais rápido de entrar, não tinha que subir aquelas rampas para a arquibancada. Não tinha confusão, não tinha nada. De vez em quando eu gozava da cara de algum vascaíno, quando saía gol do Flamengo, e meu pai falava pra eu me controlar. Mas nunca saiu uma briga. Nem na arquibancada tinha divisão de torcidas naquela época.

Com as mudanças, o espaço pode voltar a ser um lugar mais tranqüilo e seguro – mas talvez perca também muito da espontaneidade que era sua marca registrada e fazia a alegria dos câmeras de TV, à procura de imagens curiosas para ilustrar as transmissões.

- Comemoração de gol na geral era muito mais emocionante. Você saía correndo em qualquer direção, se perdia dos amigos e depois voltava pro mesmo lugar e reencontrava. Por isso, o geraldino sempre era o último a saber quando um gol era anulado, muito tempo depois você ainda via os torcedores comemorando... Era todo mundo muito guiado pela emoção mesmo. E pela arquibancada. Como não dava pra ver o jogo direito, se o pessoal de cima comemorasse é que a gente sabia que a bola tinha entrado – conta o estudante de informática Tulio Soriano, torcedor do Fluminense que acompanhou a geral em sua fase final, indo aos seus últimos jogos em 2005. Inclusive na despedida, onde se via um geraldino tricolor segurando seu cartaz para a TV: “Geral! Patrimônio mundial, abençoado por Deus, João de Deus e Bento XVI“.



• A geral foi o Maracanã

O Maracanã vem sendo utilizado, durante as reformas, com a geral fechada. Ver o estádio sem os torcedores poderem acessar o setor não é incomum – isso já aconteceu diversas vezes, por obras ou motivos de segurança. Mas houve um período em que a geral foi o único setor aberto do estádio.

Isto aconteceu em 1999, quando estavam sendo colocadas as atuais cadeiras nas arquibancadas do estádio para o primeiro Mundial Interclubes da FIFA. O Fluminense jogava a fase final da Série C e mandou seus jogos no Maracanã, apenas com a geral funcionando.

- A geral ficou realmente lotada, a Young Flu toda enfeitada... E foi uma das piores chuvas que peguei na vida – conta o advogado Leonardo Mahfuz, que assistiu à vitória de seu time sobre o Náutico por 2x1. O público oficial da partida foi de 11.582 pagantes.



• Na torcida adversária

Graças ao preço baixo, não era incomum ver pessoas indo ao estádio para fazer companhia a amigos torcedors de outros clubes, em jogos em que seu time nem entraria em campo.

- Conheci a geral assim, indo assistir a um jogo do Vasco com um amigo meu e o cunhado dele. Era muito barato e foi bem tranqüilo, depois da experiência voltei lá para ver jogo do Flamengo – conta o engenheiro Max Junqueira.

- Ele se comportou bem, como flamenguista em território inimigo. O Vasco perdeu e ele podia ter perturbado bastante, mas meu cunhado vascaíno incomodou muito mais xingando o Felipe – completa o designer Felipe Caldas, o amigo vascaíno, se referindo à instisfação do companheiro de torcida com o lateral e meia que atualmente joga no Oriente Médio.

Um caso diferente foi o do vascaíno Francisco Netto. Com o custo popular do ingresso, ele se animou a ir à geral torcer pela Cabofriense contra o Botafogo, um resultado que interessava ao seu time no Estadual de 2005.

- Acho que eu era o único torcedor da Cabofriense no Maracanã – diverte-se o secador, que saiu satisfeito com o 3x3 que classificou o Vasco para as semi-finais da Taça Rio.